Após 137 dias internado por causa da Covid-19, aposentado de 59 anos tem alta em São Paulo


Levantamento da TV Globo analisou a trajetória de 75 mil pacientes recuperados da doença e mostra que média de internação foi de 10 dias; só 77 casos ficaram no hospital por pelo menos 100 dias no estado. Paciente com Covid-19, que ficou mais de 130 dias internado, recebe alta
O vendedor aposentado Lázaro Souza Silva, de 59 anos, vai dormir em sua própria cama nesta quinta-feira (1º) pela primeira vez em 137 dias, depois de se recuperar dos efeitos colaterais da Covid-19 que o levaram diretamente de sua casa à UTI em 17 de maio.
Um levantamento feito pela TV Globo mostra quão rara é a história dele. De 75 mil pacientes infectados pelo novo coronavírus que precisaram ser internados em todo o estado de São Paulo, mas que depois se recuperaram e tiveram alta, a permanência média no hospital foi de 10 dias. Só 77 deles, ou 0,10% do total, ficaram internados pelo menos 100 dias.
Os dados são referentes à atualização de 28 de setembro do Sivep-Gripe, o sistema do Ministério da Saúde onde hospitais e vigilâncias municipais alertam o governo federal sobre a internação de paciências com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
Apesar de o estado já ter mais de 100 mil pacientes confirmados de Covid-19 no sistema, apenas em 75.034 dos casos de pacientes que se recuperaram já existem atualizações sobre a data da internação e a data da alta.
A trajetória hospitalar de “Lazinho”, como é carinhosamente chamado pela esposa Nalva, foi acompanhada por centenas de amigos e familiares pelos boletins que Nalva enviava em aplicativos de mensagens, e coincidiu com a história da epidemia no estado, que já tem quase 1 milhão de casos e quase 36 mil mortes confirmadas.
Lázaro Souza Silva deixou o hospital com aplausos e bexigas, após 137 internado com complicações da Covid-19.
Acervo Pessoal
Internado direto na UTI
Segundo a esposa, a família toda teve resultado positivo para o teste da Covid-19, mas só o marido precisou de atendimento hospitalar.
“Durante três dias eu tive cansaço, tive sono muito pesado e falha na respiração e aí eu fui até o médico. Chegando no hospital, fizeram uma triagem e me mandaram direto pra UTI”, relembrou ele em uma entrevista ao SP2 no quarto do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, na Bela Vista, Centro de São Paulo.
O maior medo dele, naquele momento, “era que fosse Covid”. Mas os exames de imagens mostraram que seu pulmão estava comprometido com uma imagem de “vidro fosco”, que, segundo os especialistas, é um forte indicativo de infecção pelo vírus Sars-Cov-2, que provoca a Covid-19.
A internação em 17 de maio coincidiu com o dia em que a Região Metropolitana de São Paulo atingiu a maior taxa de ocupação de UTIs desde o início da pandemia: 92,2% dos leitos destinados ao tratamento da doença estavam ocupados naquele dia.
Enquanto Lázaro precisou ficar entubado e sedado, seus filhos, Giovanna e Fernando, enviaram mensagens por escrito que eram lidas por um enfermeiro.
Acervo pessoal
Os 26 dias ‘dormindo’
Nos primeiros dias, Lázaro conseguiu conversar com a família pelo celular, mas em 21 de maio a situação dele piorou e precisou ser entubado, contando com a ajuda de um ventilador artificial para continuar respirando.
Esse foi o período mais crítico, relembra Nalva, e durou longos 26 dias. Os problemas pulmonares exigiram que ele fosse tratado com um equipamento chamado ECMO, que funciona como um “pulmão artificial” e é uma das últimas esperanças de tratamento para quem tem falência pulmonar.
Enquanto Lázaro estava em coma induzido, um enfermeiro leu as cartas em papel enviadas pela esposa e os filhos. Em 12 de junho, Dia dos Namorados, Nalva enviou uma mensagem relembrando o marido inconsciente do dia do casamento dos dois, e da viagem de lua-de-mel.
“Nós prometemos um ao outro que vamos ficar bem velhinhos juntos, e assim será, pode acreditar”, escreveu ela.
Entre 21 de maio e 15 de junho, enquanto Lázaro lutava pela vida na UTI, o estado de São Paulo confirmou mais 107.721 casos de Covid-19, e 5.209 perderam a batalha para a doença. Foi nesse período em que o estado entrou no elevador patamar de 200 mortes por dia em média, um platô que durou 100 dias consecutivos.
No dia em que teve alta hospitalar, Lázaro revê as fotos que decoraram seu quarto no Hospital Alemão Oswaldo Cruz durante o tempo em que esteve internado.
Acervo Pessoal
De volta para o ‘mundo dos vivos’
“Quando eu acordei eu não estava me lembrando de nada. Aí aos pouquinhos fui recuperando a consciência. Aí eu falei pra minha esposa que eu tinha falecido e voltado para o mundo dos vivos”, contou ele à TV Globo.
Lázaro levou vários dias até recuperar a lucidez, depois que os médicos começaram a reduzir a sedação e o pulmão dele deixou de necessitar do suporte vital do ventilador mecânico. O reencontro com a mulher, quando ele conseguiu deixar o isolamento e ser transferido para uma UTI “não Covid”, ocorreu em 30 de junho.
Mas o tempo na UTI ainda estava longe de acabar. Entre julho e meados de agosto, enquanto o aposentado se recuperava aos poucos, com fisioterapia e hemodiálise, o estado de São Paulo ainda mantinha altos índices de pessoas que, assim como ele, estavam internadas na UTI com a doença. Esse número chegou a superar a média de 6,4 mil pessoas no início de julho.
Lázaro só conseguiu reencontrar os filhos quase quatro meses depois da internação.
Acervo pessoal
Transferência de hospital e recaída
Em 14 de agosto, após exatos 90 dias, Lázaro foi transferido da UTI do Hospital São Camilo para a UTI do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Naquela época, a situação de ocupação de leitos no estado já era melhor, não por causa da queda de internações (ainda havia em média cerca de 5 mil pacientes na UTI), mas porque o número total de leitos aumentou. A taxa já estava abaixo de 60%.
Mas o número de casos confirmados já passava de 680 mil, e as mortes acumuladas pela doença somavam 26.613.
A situação de Lázaro também não estava de todo superada: depois de ter alta da UTI e ir para um quarto em 18 de agosto, uma semana depois ele teve uma recaída e precisou retornar à unidade de terapia intensiva, de onde só saiu em definitivo em 6 de setembro.
A essa altura, o estado já somava mais de 850 mil casos e mais de 31 mil mortes. Mas foi nesse período em que São Paulo conseguiu sair do patamar de pelo menos 200 mortes pela Covid-19 confirmadas a cada dia, segundo a média móvel semanal.
Em 12 de setembro, Lázaro comemorou 28 anos de casado ainda no hospital.
Acervo pessoal
Rumo à alta
Em 12 de setembro, já caminhando para o fim de sua estada de quatro meses e meio no hospital, um dos dias mais marcantes: o aniversário de 28 anos do casamento entre Lázaro e Nalva, e a primeira vez que o aposentado conseguiu rever seus filhos Giovanna, de 13 anos, e Fernando, de 7, que não viam o pai de perto desde que ele deixou o apartamento para ir ao hospital.
Para a nefrologista e clínica médica Sara Mohrbacher, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, “é uma recompensa muito boa quando o paciente, depois de tanto tempo, depois de uma doença tão grave quanto foi a dele, sai dessa instituição”.
Mas, apesar de poder ir para casa, ele ainda não está 100% recuperado da Covid. “Ele vai continuar a fisioterapia em casa, fonoaudiologia, todo o suporte para ele continuar melhorando, agora que ele já tem condições”, explicou a médica.
Nesta quinta, assim como a família de Lázaro, o estado já respira mais aliviado ao ver números mais positivos na evolução da epidemia, apesar de ela ainda não estar totalmente controlada. A média atual de pacientes da Covid-19 em um leito de UTI é 3.919 no estado, e as taxas de ocupação estão abaixo dos 45%.
Para essas pessoas, e para os parentes e amigos que torceram para ver o dia de hoje acontecer, o aposentado fez questão de enviar uma mensagem de esperança. “Eu queria agradecer a todos que oraram por mim durante esses dias de internação. Assim como eu saí, muita gente vai sair também.”
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By Ellena Gomes

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