Ministério Público apura suspeita de estupro de vulnerável e violação sexual das mulheres que denunciaram o médico. Abib Maldaun Neto nega as acusações, mas teve registro profissional suspenso por seis meses pelo Cremesp. O médico nutrólogo Abib Maldaun Neto, durante cerimônia em 2016 na Câmara Municipal de SP, onde recebeu a Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da cidade de São Paulo.
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A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Violência contra a Mulher na Câmara Municipal de São Paulo apresentou nesta quarta-feira (30) um projeto de decreto legislativo para revogar a honraria concedida pela Casa ao médico nutrólogo Abib Maldaun Neto, suspeito de abuso sexual contra pacientes que eram atendidas na clínica dele na capital paulista.
O médico foi homenageado na Câmara Municipal em 2016, com a entrega da Medalha Anchieta e o Diploma de Gratidão da Cidade de São Paulo, uma das honrarias concedidas pelo Poder Legislativo paulistano.
Honraria da Câmara Municipal de São Paulo entregue ao médico nutrólogo Abib Maldaun Neto, em 2016.
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De acordo com a presidente da CPI, vereadora Sandra Tadeu (DEM), as indicações para homenagens feitas pelos parlamentares levam em conta o contexto da época, com base nas contribuições da pessoa à sociedade. Mas ao tomarem ciência dos fatos envolvendo Abib Maldaun Neto, as integrantes da CPI entenderam que “é dever da Câmara revogar a honraria”.
Essa não é a primeira ação neste sentido, de acordo com a CPI. Os vereadores já cassaram uma honraria dada ao então médico Roger Abdelmassih, após várias denúncias de estupro contra pacientes. A proposta da CPI das Mulheres segue agora para tramitação na Câmara Municipal.
Investigação
Embora negue as acusações das pacientes, o médico nutrólogo Abib Maldaun Neto é investigado pelo Ministério Público de São Paulo, que recebeu – por e-mail e através de advogados – mais de 20 relatos novos de mulheres, que indicam a suspeita da prática dos crimes de estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude nos últimos anos.
As denúncias foram protocoladas após reportagem exibida na GloboNews e no Fantástico do último domingo (20), onde as vítimas denunciaram a ação do médico.
21 mulheres acusam nutrólogo por abuso sexual
“Todos os dias nos recebemos uma nova notícia, uma nova vitima, alguém à procura o MP. Não passou um dia desde a criação do canal em que uma mulher não tenha pedido ajuda. Os homens que praticam crimes sexuais, em regra, são homens acima de qualquer suspeita, reconhecidos como bons cidadãos, para a sociedade pessoas respeitadas e por isso ganham a confiança da vítima”, disse a promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Gênero do MP de SP, Valéria Scarance.
O advogado Fernando Castelo Branco já representava uma ex-paciente que processou o médico por abuso sexual e afirma que o escritório dele foi procurado por mais de dez mulheres na última semana.
“A força da palavra da vitima é essencial e indispensável. Porque às vezes é um único elemento de prova. Esses novos relatos vem corroborar exatamente o que já tínhamos provado anteriormente, era feito entre quatro paredes numa relação exclusiva entre médico e paciente”, disse o advogado.
Veja relatos de mulheres que dizem que foram violentadas por nutrólogo em SP
Todas as mulheres ouvidas pela reportagem acusam Abib Maldaun Neto de abusos sexuais durante exames físicos nas consultas em seu consultório, no bairro dos Jardins, na capital paulista. Elas dizem que procuraram atendimento pois ele era um médico bem recomendado, renomado e que atendia celebridades.
As pacientes não se conhecem, mas tiveram relatos parecidos, e dizem que só tiveram certeza do abuso após conversas com outros médicos e terapeutas.
Em julho de 2018, o médico nutrólogo foi condenado pela Justiça de São Paulo em primeira instância por violação sexual mediante fraude. Houve recurso, mas o TJ manteve a condenação em segunda instância. A decisão é do dia 30 de julho.
A pena determinada foi de dois anos e 8 meses de prisão em regime semi-aberto, mas o nutrólogo responde em liberdade desde então. A defesa tenta recurso em Brasília, nos tribunais superiores.
Na esfera administrativa, a primeira denúncia feita contra ele foi no Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), em 2012, mas foi arquivada. “Eu achei que seria levada mais a sério. O pior argumento foi o que ouvi de um funcionário do Cremesp: ‘Agora não acontece nada, pois é sua palavra contra a dele, mas ele vai fazer novamente e, aí sim, o conselho vai tomar providências.'”, contou a ex-paciente, por escrito.
E foi o que aconteceu. A investigação referente ao caso dela só foi reaberta dois anos depois, quando uma outra mulher também denunciou o médico ao Cremesp e à Justiça.
“Ora, bastava uma denúncia, não? É natural o órgão responsável deixar uma pessoa doente ter oportunidade de repetir um abuso? Eu optei por não entrar com uma ação criminal, pois sei o quanto a justiça é morosa no Brasil. Mas fico feliz que uma das vítimas tenha tido essa coragem e essa paciência”, completou a primeira denunciante.
O caso tramita há seis anos na Justiça e há oito no Cremesp. Nesse meio tempo, o consultório recebeu novos pacientes. E o médico ganhou notoriedade, como uma homenagem na Câmara de Vereadores. Em 2016, Abib Maldaun Neto ganhou a Medalha Anchieta, um reconhecimento por ações sociais e a maior honraria da capital paulista.
No ano passado, mesmo com as investigações em andamento, o Conselho Regional de Medicina o nomeou perito – especialista em medicina legal – para atuar na apuração de um caso. O médico, de 56 anos, já trabalhou como legista no Instituto Médico Legal de São Paulo.
Novos relatos de abusos
Mais de 20 mulheres procuraram a reportagem, o Ministério Público e um escritório de advocacia para apresentarem novas denúncias sobre o médico.
Elas deram seus relatos por e-mail, telefone ou pessoalmente, com a condição de não serem identificadas. Além de histórias muito semelhantes, que até eram mantidas em sigilo por vergonha e por medo, elas afirmam que o nutrólogo Abib Maldaun Neto era uma pessoa influente e que passava muita credibilidade para quem procurasse a sua clínica.
“Além de entender muito do assunto, ele era um homem influente, falava de muitas pessoas, além de chegar lá e ver todas as fotos. Você se sente segura num lugar daquele”, afirmou uma das mulheres. “Eu não fui nele porque ele era uma celebridade. mas é óbvio que você olhar algumas pessoas que estão ali dá uma certa credibilidade”, disse outra ex-paciente.
Essa era a imagem que elas tinham do médico. Mas depois de um tempo de tratamento com ele, isso mudou. Uma das mulheres contou que procurou a clínica em 1997, para um tratamento de rinite alérgica. Na época, ela tinha 18 anos.
“Ao final dessa conversa sobre saúde, sobre hábitos , dia a dia, ele me perguntou se eu já tinha tido experiências sexuais. Ele falou: acho que é bom a gente examinar pra ver se ‘tá’ tudo bem. Pediu que eu ficasse sem a roupa. Eu estava deitada na maca. Ele ficou fazendo movimentos na minha vagina e depois ele introduziu os dedos e falou: ‘não, só estou vendo se tá tudo bem'”.
Nutrólogo é denunciado por abusos sexuais
Uma outra ex-paciente relata que fez tratamento com o nutrólogo entre 2000 e 2004, e que estranhou um dos procedimento. “Perguntei se ele não tinha um hobby, pra eu não ficar nua (…) Deitei na maca, nua, bastante envergonhada e ele coloca mão no clitóris e fica fazendo movimento circular. Eu falei: ‘”Doutor, esse exame vai medir o que exatamente? Porque ‘tá’ bem estranho esse exame’. E ele disse: ‘é pra ver se você fica estimulada e quanto tempo pra fazer uma medição’. Eu disse: ‘a gente termina por aqui essa consulta’. Peguei e levantei da maca, coloquei minha roupa e ele percebeu que não gostei. E nunca mais fui lá”.
Em 2013, o mesmo “suposto” exame em outra mulher. “Eu me deitei e ele me pediu pra eu tirar a calcinha. E eu não sei se eu não quis entender ou eu meio que – ‘como assim?’. E ai eu continuei de calcinha. Ai ele começou a examinar meu seio (…) e eu percebi algo estranho porque ele começou a tocar diferente. Começou a mexer no bico do meu seio. E aquilo foi me incomodando até que ele foi examinar como ele sempre examinou os gânglios, e ai ele puxou a minha calcinha e começou a mexer, e eu pedi para ele parar. (…) E ai ele começou a mexer no meu
clitóris. E ai ele introduziu os dedos. e eu pedi pra ele parar. (…) Ele colocava a mão no meu peito e mandava eu ficar calma: ‘fica calma, você precisa disso’. Você precisa relaxar. isso vai ser bom pra você'”.
Essa mulher diz que não se lembra quanto tempo duraram os abusos, mas que não conseguiu reagir. “Eu lembro estar de olhos fechados. e sentindo uma aversão, uma repulsa, querendo que aquilo acabasse. (…) eu lembro que cheguei em casa, a primeira coisa que eu fiz foi tomar banho. Eu queria ficar sozinha, não tinha força, queria ficar no quarto. Não tinha vontade de nada”.
A GloboNews e o Fantástico conversaram também com uma mulher que diz ter trabalhado na clínica e relata os mesmos abusos.
“Um dia ele me chamou para sentar no consultório dele e me fez uma pergunta que me deixou constrangida. Me perguntou como era minha atividade sexual, se eu tinha orgasmos toda vez que eu transava, fique sem graça, não respondi. E ele falou que queria me examinar. Eu deitei na maca, achei que ele fosse aferir minha pressão, que ele fosse, usar estetoscópio. foi quando ele abaixou a minha calça e enfiou os dois dedos em mim. fiquei muito surpresa (…) Coloquei minha roupa de novo e sai do consultório sem falar com ele. Só levantei e sai, não tinha força para enfrentá-lo”.
Segundo o médico José Ernesto dos Santos, secretário-geral da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), esses exames relatados pelas mulheres não fazem parte da anamnese e diagnósticos previstos na especialidade.
“Não é função do nutrólogo fazer diagnóstico de alterações ou desvios da vida sexual de um paciente. A Associação Brasileira de Nutrologia não tem em seus protocolos esse tipo de exame para nenhum paciente nutrológico”.
Depoimento à Justiça
A GloboNews e o Fantástico tiveram acesso ao depoimento de Abib Maldaun Neto à Justiça, em 2018. Em juízo, o médico nutrólogo tentou desqualificar as pacientes que o acusaram.
“A (nome de paciente que não será identificada) sofre de processo mental (…) Ela se vê gorda, é uma mulher de difícil relacionamento, é uma família de gente má, que quer destruir”. Em outro momento, Abib Maldaun Neto diz que foi vítima de um conluio e que foi acusado levianamente.
Os advogados dele disseram no processo que uma das vítimas fez um joguinho sexual, e apresentou um laudo psicológico – encomendado pela própria defesa- que atesta que o médico não tem personalidade de abusador. “É o procedimento, eu toco, mas nunca mandei tirar roupa. Faço exame, mas tirar a roupa não”, se defendeu o médico à Justiça.
“Não cabe na minha cabeça, vamos supor que eu tivesse culpa. vou incorrer no mesmo erro? Só se eu tivesse culpa.
Ela (referindo-se a uma das pacientes) voltou na clínica sete vezes. Senhor juiz, se a sua mulher ou sua filha fossem violentadas, o senhor ficaria quieto, pergunto eu. E essa mulher volta sete vezes. Eu enlouqueci ou ela enlouqueceu”, também disse em juízo Abib Maldaun Neto.
Para o juiz que o condenou, as anotações nos relatórios de enfermagem eram suspeitas. A vítima comprovou que estava em outros locais nos dias marcados na ficha, como aula de arte, sessão de terapia, consulta com outra especialidade e academia.
Afastamento no Cremesp após mais denúncias
Na sexta-feira (25), o Conselho Regional de Medicina de São Paulo divulgou uma nota informando que havia afastado cautelarmente Abib Maldaun Neto.
Somente no período de uma semana, o número de denúncias por abuso sexual contra o médico nutrólogo dobrou. A GloboNews apurou que entre terça-feira (22) e quinta-feira (24), mais 4 quatro ex-pacientes prestaram queixa e que pelo menos 8, no total, pediam que a licença dele seja cassada até sexta-feira.
Um outro ofício havia sido protocolado no início da semana pela deputada estadual Marina Helou (Rede Sustentabilidade-SP) pedindo o afastamento do nutrólogo das funções e será acompanhado pela Comissão de Defesa dos Direitos das Mulheres da Assembleia Legislativa (Alesp).
Vítimas procuram MP
O Ministério Público de São Paulo disponibilizou um canal direto por e-mail ([email protected]) para receber relatos de pacientes por abusos envolvendo o médico. Até o fim da última semana, eram mais de 20. Elas devem ser ouvidas a partir de outubro.
“Desde o inicio havia noticia de um padrão comportamental por parte do investigado. A ideia foi unir todas as vitimas para que elas também possam se fortalecer, garantir o sigilo, uma apuração mais ágil e também identificar esse padrão. Em processos como esse, muitas vezes as condutas se repetem. É importante que a investigação seja concentrada numa única autoridade”, explica promotora de Justiça e coordenadora do Núcleo de Gênero do MP de SP, Valéria Scarance.
O mesmo e-mail disponibilizado para o caso de Abib Maldaun Neto foi usado pelo Núcleo de Gênero do MP-SP para receber denúncias envolvendo o médium João de Deus. Na época, foram mais de cem mensagens enviadas aos promotores de São Paulo sobre abusos contra mulheres que o procuraram em Abadiânia, em Goiás.
Pacientes denunciam médico por abuso sexual dentro do consultório
do, que indicam a suspeita da prática dos crimes de estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude nos últimos anos. As denúncias foram protocoladas após reportagem exibida na GloboNews e no Fantástico no último domingo (20), onde as vítimas denunciaram a ação o