Felinos do Pampa: bioma é casa para espécies raras e ameaçadas


Gato-palheiro é felino endêmico da região; acredita-se que o último indivíduo de onça-pintada foi abatido por caçadores na década de 1950. Gato-maracajá é uma das espécies mais comuns do bioma
Fábio Mazim/Arquivo Pessoal
O Pampa, bioma restrito ao estado do Rio Grande do Sul, é casa para sete das dez espécies de felinos que ocorrem no Brasil. No entanto, o status de conservação de todos eles na região preocupam: três felinos efetivamente ocorrem no bioma e outros quatro são raramente observados.
“No Pampa as espécies que não foram extintas estão ameaçadas. É o caso do gato-palheiro-pampiano (Leopardus munoai), espécie endêmica do bioma que já perdeu mais de 80% do habitat para a agricultura. O felino deve ser considerado um dos mais criticamente ameaçados de extinção em todo o Planeta”, destaca Tadeu Gomes de Oliveira, pesquisador da Universidade Estadual do Maranhão especialista em felinos.
A espécie, que é conhecida mundialmente como ‘pampas cat’, já chegou a habitar todas as regiões pampianas, mas hoje tem registros pontuais concentrados no oeste do bioma. “O gato-palheiro-pampiano tem a situação conservacionista mais preocupante. Seus registros são escassos e a base de dados atuais envolvendo a espécie parte de animais atropelados nas rodovias”, lamenta o pesquisador, que ressalta a importância de estudos recentes sobre o animal.
“As análises de taxonomia, genética, morfologia e ecologia reconheceram o gato-palheiro do Pampa como uma nova espécie para a ciência, sendo endêmica do bioma. Como agravante, os estudos genéticos demonstram que essa unidade possui considerável isolamento das demais populações da espécie na América do Sul. Ou seja, sua extinção não poderia ser compensada pela recolonização dos gatos-palheiros vindos de outras áreas”, diz.
Gato-palheiro-do-pampa (Leopardus munoai) é espécie endêmica ameaçada de extinção
Felipe Peters/Arquivo Pessoal
A escassez de informação sobre o felino também preocupa a pesquisadora Marina Favarini. “A situação crítica da espécie e a redução da população em algumas dezenas de indivíduos soma-se ao problema da inexistência de informações sobre a ecologia e biologia do gato-palheiro. Não sabemos as necessidades básicas para a existência desse pequeno felino campestre, talvez ele seja extinto antes de ser devidamente conhecido do ponto de vista ecológico”, completa.
Gato-palheiro-pampiano (Leopardus munoai) é endêmico do Bioma e já perdeu mais de 80% do habitat para a agricultura
Outra espécie pouco observada na região é o gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus), restrito à zona de transição entre o Pampa e a Mata Atlântica, na região central do Rio Grande do Sul. “Embora a espécie adentre eventualmente extremo norte do Pampa, não pode ser de fato considerado um felino típico do bioma e, por isso, também se torna raro”, finaliza a bióloga.
Conheça os felinos do Pampa: quatro espécies são consideradas raras no bioma
Arte: Giulia Bucheroni
Famosos do Pampa
Na lista das espécies comuns do bioma estão o gato-do-mato-grande (Leopardus geoffroyi), abundante em toda a região; o gato-maracajá (Leopardus wiedii), encontrado em matas ciliares; e o gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi), que possui população estável.
A facilidade de encontrá-los, porém, não suspende a preocupação com a conservação das espécies. “Para a maioria delas ainda não se sabe nem o básico. É necessário refinar as áreas de ocorrência, estudar o comportamento espacial, trófico e temporal dos felinos, assim como a história evolutiva. Também é preciso fazer Planos de Conservação que minimizem abates por retaliação aos supostos predadores das criações domésticas”, explica Fábio Mazim, ecólogo especialista em carnívoros.
“Gatos de pequeno porte são mortos como retaliação por predarem as criações domésticas. Já a onça-parda (Puma concolor) é perseguida pelo ataque aos rebanhos de ovinos”, diz.
Muita coisa mesmo ainda se faz necessária, mas na ótica da conservação as mais urgentes na atualidade são as baixas populacionais, resultados de atropelamentos em rodovias e caça como retaliação
Gato-maracajá ocorre em áreas de mata ciliar e próximo aos arrozais
Felipe Peters/Arquivo Pessoal
Ausentes
Os abates por retaliação também fizeram vítima a onça-pintada (Panthera onca). “A espécie foi extinta no Pampa pelo somatório da caça, da perda de habitat e da extinção de suas presas de grande porte, com a anta, o queixada, o cateto, o cervo-do-pantanal e o tamanduá-bandeira”, explica Fábio.
O felino, ameaçado de extinção no Brasil, deixou de ser registrado no Pampa na década de 1950. “Em uma de minhas expedições pampianas encontrei sob posse de caçadores a pele, o crânio e fotos antigas de uma caçada, daquele que possivelmente tenha sido o último exemplar de onça-pintada abatida no Pampa, datado de 1952. Segundo os caçadores, o macho adulto de 86 quilos foi morto por predar uma criação de porcos”, comenta.
Segundo ruralistas e caçadores, após esse abate, nunca mais foi relatada a presença de onças-pintadas no Pampa gaúcho. Por triste coincidência, ou força do destino, é possível que o Fábio tenha tido em mãos, a pele e o crânio do último exemplar vivo de onça-pintada a esturrar em solo pampiano, o qual eternizou o silencio de uma espécie na moldura de um retrato e numa pele furada por chumbo, estaqueada na parede de um galpão
Acredita-se que a última onça-pintada do Pampa foi abatida em 1952
Fábio Mazim/Arquivo Pessoal
Entre as espécies raras e criticamente ameaçadas do Bioma destaca-se a jaguatirica (Leopardus pardalis) : os últimos registros são de 1890. “Os flagrantes da época foram feitos em regiões com maior cobertura florestal, onde estão presentes os maiores rios e as maiores áreas de floresta ciliar”, explica Felipe Peters, pesquisador especialista em mamíferos que, depois de um intervalo secular de registros, filmou um indivíduo com ajuda de armadilhas fotográficas.
“Nós flagramos a jaguatirica na Estação Ecológica do Taim, extremo Sul do bioma, situada próxima à fronteira com o Uruguai. Foi em uma região de banhados e lagoas, com pouca mata nativa, onde nunca houve registros históricos e nem relatos da espécie”, diz.
Ainda faltam muitas informações sobre as espécies que vivem no bioma
Fábio Mazim/Arquivo Pessoal
Outro flagrante que chamou atenção foi em 2015, quando Fábio encontrou pegadas de um adulto cruzando uma estrada no município de Santiago. “Esses dois registros ‘contemporâneos’ contam com os mais austrais de jaguatirica do Mundo, e talvez um atestado de recolonização da espécie dentro do Pampa”, finaliza o pesquisador.
A lista de registros antigos no bioma conta também com flagrantes da onça-parda (Puma concolor), conhecida regionalmente por leão-baio. “Até a década de 1900 a espécie ocupava todo o território pampiano. Atualmente, existem três registros concretos do felino, entre 2004 e 2010, baseando-se no encontro de pegadas e observação visual”, comenta Fábio, que destaca as principais ameaças à espécie.
“Nas regiões onde a agricultura domina o uso da terra, o puma não é mais registrado. No Norte do Rio Grande do Sul, fora do Pampa, onde estão presentes os campos com capões de araucária, a espécie é muito perseguida por predar os rebanhos de ovelha. Provavelmente o mesmo tenha acontecido no Pampa, já que é um bioma emblemático para a criação de ovinos”, diz.
Indivíduo melânico de gato-do-mato-grande, espécie comum do Pampa
Fábio Mazim/Arquivo Pessoal

By Midia ABC

Veja Também!