Possibilidade de chuva negra causada pela fumaça das queimadas no Pantanal e no interior de SP depende da quantidade de fuligem trazida pelos ventos. Fenômeno ocorreu no ano passado, quando o ‘dia virou noite’, com o céu da capital escuro no meio da tarde, e moradores coletaram água escura em baldes. Vista da Marginal Tietê junto à Ponte da Freguesia do Ó, na zona norte de São Paulo, com destaque para a poluição do ar, na tarde desta quinta-feira, 17 de setembro de 2020.
Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo
Após uma tarde quente e de baixa umidade relativa do ar, a Grande São Paulo pode ter pancadas de chuva na noite desta quinta-feira (17). Áreas de instabilidade que estavam no sul do estado estão se deslocando rapidamente em direção à capital. A previsão anterior era que a frente fria vinda do sul do país chegaria ao estado de São Paulo somente na sexta-feira (18).
Segundo o meteorologista Alexandre Galvão, do Climatempo, não se descarta a possibilidade de chuva isolada na região metropolitana ainda na noite desta quinta. A Grande SP pode ter, inclusive, a chamada “chuva preta” nesta semana – neste caso, a possibilidade é maior no sábado.
O fenômeno ocorre quando o vento traz a fumaça das queimadas e incêndios florestais até uma área onde existem nuvens de chuva. Sua ocorrência, no entanto, depende da quantidade de material particulado trazida pelos ventos que sopram em direção ao Sudeste. Além do estado de São Paulo, é possível que a camada de fumaça encubra também áreas do centro-sul do Rio de Janeiro, incluindo a capital, e do centro-sul de Minas Gerais.
Virada do tempo começa a dar sinais na sexta-feira
Na tarde desta quinta o céu de São Paulo ficou alaranjado e encoberto por uma névoa de material particulado. A umidade do ar chegou a 22% e a máxima foi de 31,5°C, mas as temperaturas caíram rapidamente com a chegada da brisa.
Nesta sexta ainda esquenta e a máxima chega aos mesmos 31°C de hoje, mas pode haver chuva a partir da tarde. No fim de semana a chuva pode ser mais forte e vir acompanhada de raios e ventania. A máxima no domingo será de apenas 18°C.
Vista da Marginal Tietê junto à Ponte da Freguesia do Ó, na zona norte de São Paulo, com destaque para a poluição do ar, na tarde desta quinta-feira, 17 de setembro de 2020.
Daniel Teixeira/Estadão Conteúdo
Chuva preta
“A chuva sempre lava a atmosfera, ela leva a poeira, poluição, eventual fuligem, todo material particulado que estiver na atmosfera. Então a chance de chuva escura é maior nas primeiras chuvas previstas”, explica o meteorologista Alexandre Galvão.
No caso de São Paulo, a fuligem que pode chegar à capital deve ser originária não apenas do fogo que atinge o Pantanal, mas também das queimadas que ocorrem no interior do estado, explica Alexandre Galvão, meteorologista do Climatempo.
Neste ano, os focos de incêndio em SP mais do que dobraram, em comparação com 2019. O aumento ocorreu especialmente nos meses de agosto e setembro.
Fumaça de incêndio no Pantanal pode deixar água de chuva em SP preta; entenda
A fuligem viaja a uma altura maior do que o material particulado proveniente da poluição comum e pode ser absorvida pela nuvem, dando origem às nuvens pretas que chamam a atenção no céu das grandes cidades, segundo Theotonio Pauliquevis, físico e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
“As nuvens de chuva ficam de 1,5 km a 10 km do solo. Quando a poluição parte do nível de superfície e vem de carros ou fábricas, ela fica presa embaixo das nuvens, formando uma camada visível, mais escura, no horizonte”, explica. “Aí, quando a água cai, ela bate nas partículas e a enxurrada leva essa poluição comum.”
“Já a nuvem de fumaça viaja a cerca de 3 km ou 4 km do solo. Ela bate de frente com a nuvem de chuva, que absorve a fuligem e forma essa espécie de gosma que dá origem às nuvens escuras e avermelhadas e também à chuva ‘preta’, mais escura que o normal”, diz o pesquisador, que estuda a composição química da chuva na Amazônia em períodos de queimadas.
‘Dia virou noite’ em 2019
Água da chuva caiu preta em São Paulo
Em 19 de agosto de 2019, o fenômeno da chuva negra ocorreu na cidade de São Paulo por conta de queimadas que ocorriam na Amazônia.
Análises técnicas feitas por duas universidades mostraram que a água da chuva de cor escura coletada por moradores da capital continha partículas provenientes de queimadas. Nas redes sociais, moradores da Grande São Paulo postaram fotos da água da chuva escura.
O teste feito pelo Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP) identificou a presença de reteno, uma substância proveniente da queima de biomassa e considerada um marcador de queimadas, na água da chuva coletada na segunda-feira.
Já o exame realizado pela Universidade Municipal de São Caetano (USCS) mostrou que a concentração de material particulado, ou seja, de fuligem, foi sete vezes maior do que a registrada na água de uma chuva normal.
Enquanto os pesquisadores da USP analisaram a identificação de reteno, que é um marcador de queimadas, a análise da USCS verificou quantidade de fuligem 7 vezes mais que o normal e a presença de sulfetos 10 vezes superior à média. A substância é proveniente da queima de combustíveis fósseis e queimadas.
“Se eu estou com 7 vezes mais do que deveria ter, eu tenho nessa água substâncias químicas que podem afetar a saúde. Agora a gente vai ter que investigar o que que é isso”, diz Marta Marcondes, bióloga e professora da linha de pesquisa de saúde e meio ambiente da USCS.
Marcos Buckeridge, diretor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP), diz que a fuligem proveniente das queimadas também pode conter substâncias tóxicas aos seres humanos. “Se nós tivéssemos recebido a fumaça sobre a cidade, sem a presença de uma frente fria que trouxe chuva, isso poderia ter um efeito muito pior nas pessoas”, diz.
O repórter cinematográfico Leandro Matozo, da GloboNews, coletou a água com fuligem em baldes no quintal da casa onde mora, em São Mateus, na Zona Leste da capital. As amostras recolhidas no local foram utilizadas nos exames das universidades.
Água escura coletada em casa de São Mateus, na Zona Leste de SP
Leandro Matozo/GloboNews
Água preta coletada em São Mateus
Leandro Matozo/GloboNews
Água da chuva de cor escura foi coletada em diversos pontos de São Paulo nesta segunda (19).
Luciana Cantão/TV Globo
Dia vira noite em São Paulo nesta segunda (19 de agosto de 2019)
Glauco Araújo/G1