Morte da atriz Luana Barbosa completa seis anos ainda sem julgamento de policial militar envolvido no caso

Luana Barbosa era atriz e produtora cultural — Foto: Arquivo pessoal 1 de 3
Luana Barbosa era atriz e produtora cultural — Foto: Arquivo pessoal

Luana Barbosa era atriz e produtora cultural — Foto: Arquivo pessoal

“Tem sido uma vida de saudade e espera por justiça”. É dessa forma que o jornalista Marcos de Almeida Barbosa resume os seis anos da morte de sua filha, que se completam no próximo sábado (27). A atriz e produtora cultural Luana Barbosa morreu após ser baleada pelo policial militar Marcelo Aparecido Domingos Coelho em uma blitz de trânsito, em Presidente Prudente (SP). Foram vários desdobramentos desde junho de 2014, algumas conclusões, mas ainda nenhum desfecho da Justiça sobre o caso.

Luana estava na garupa da motocicleta do namorado quando foi baleada — Foto: Reprodução/TV Fronteira 2 de 3
Luana estava na garupa da motocicleta do namorado quando foi baleada — Foto: Reprodução/TV Fronteira

Luana estava na garupa da motocicleta do namorado quando foi baleada — Foto: Reprodução/TV Fronteira

A atriz e produtora cultural Luana Carlana de Almeida Barbosa morreu no dia 27 de junho de 2014. Ela estava na garupa da motocicleta conduzida por seu namorado e, por volta das 9h30, eles passaram por uma blitz policial na Avenida Joaquim Constantino, na Vila Formosa, em Prudente Prudente. Na época, foi informado que o rapaz teria desobedecido à ordem de parada e quando passaram pelos policiais, um deles, Marcelo Aparecido Domingos Coelho, atirou e a bala disparada perfurou o tórax da jovem passageira. Ela chegou a ser socorrida, mas não resistiu. Luana morreu um dia depois de completar 25 anos.

Desde então, foram vários desdobramentos. Tiveram inquérito, reconstituição, decisões judiciais e análises. O policial argumentou que o capacete do motociclista bateu em sua mão e isso teria ocasionado o disparo. Contudo, um laudo apontou que a pistola PT 4824/7 estava em perfeitas condições e não disparava sozinha.

Coelho chegou a ser preso e encaminhado a um presídio militar em São Paulo (SP), mas foi solto após a concessão do pedido de liberdade provisória. Quando da morte de Luana, ele atuava havia 23 anos na corporação. O policial foi colocado para prestar serviços administrativos no batalhão.

Em agosto de 2014, houve a reconstituição da morte da atriz. Em dezembro do mesmo ano, a Polícia Civil concluiu o inquérito e classificou o crime como aquele com dolo eventual, afirmando que Coelho não teve a intenção de matar, mas atirou sem prever o que poderia acontecer e as consequências disso. Porém, na Justiça Militar, o caso era tratado como homicídio culposo, quando não há intenção de matar, e ele foi absolvido em marco de 2015. No mês seguinte, o Diário Oficial do Estado de São Paulo divulgou no dia 15 a pena de demissão do cabo da Polícia Militar Marcelo Aparecido Domingos Coelho. Foram levados em consideração o “cometimento de atos atentatórios à Instituição e aos direitos humanos fundamentais, consubstanciando transgressão disciplinar de natureza grave”.

Entretanto, em 2017, o Diário da Justiça Militar publicou uma decisão que determinou a “imediata reintegração” de Marcelo Coelho aos quadros da Polícia Militar do Estado de São Paulo. O juiz levou em consideração a absolvição que Coelho obteve na Justiça Militar, sob o argumento de “legítima defesa” e do “estrito cumprimento do dever legal”, o que, segundo o magistrado, de certa forma, se contradiz com o ato disciplinar imposto.

Em 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou o conflito de competência sobre o julgamento, se a incumbência era da Vara do Júri de Presidente Prudente ou da 4ª Auditoria Militar do Estado de São Paulo. No final, a decisão foi pela Vara do Júri.

‘Vida de saudade e espera por justiça’

O jornalista Marcos de Almeida Barbosa, pai de Luana, conversou com o G1 e afirmou que esses seis anos da morte da filha são de muita saudade.

“Tem sido uma vida de saudade e espera por justiça. A gente vive uma certa angústia para que as coisas se concluam, porque elas se arrastam há anos. A gente fica na expectativa de quando será o julgamento, já que eles [defesa e policial] recorrem para evitar o julgamento. Eles já fizeram todas as alegações, teve a perícia que apontou que não tem defeito na arma, eles pediram uma nova perícia. Teve o sumiço das imagens do local. E foi apurado, é inegável a responsabilidade do policial”, desabafou.

O jornalista disse ao G1 que o julgamento é a tão esperada “fase final dessa luta”.

“Seria o final de uma luta que envolve a família, os amigos. Para nós, a justiça seria uma resposta ao Estado e à sociedade também, porque são crimes que acontecem diariamente. Ultimamente a gente tem visto muitos casos de violência policial. É um tipo de violência que acontece diariamente por agentes do Estado. Não é uma luta só nossa”, falou.

Barbosa também comentou sobre a lentidão no andamento do processo, que não é digitalizado, e a pandemia de Covid-19, que paralisou os trabalhos no Fórum.

“O processo é físico, não é digital. Vai para São Paulo, volta. Isso dificulta e demora todo trâmite. E tem mais esse problema da pandemia”, lamentou.

Ele ainda lembrou o julgamento da Justiça Militar. “Foi ridículo, patético. Felizmente, nosso advogado conseguiu reverter e anular esse julgamento do Tribunal da Justiça Militar”, frisou.

Outro ponto destacado por Barbosa é a contribuição da classe artística da região e também nacional. “Toda essa luta eu não conseguiria sem a ajuda da classe artística. Foi um crime que repercutiu em todo o país. Toda comunidade artística, da arte de rua, está engajada. Ela também representa o movimento artístico, que muitas vezes sofre repressão em certas localidades. É uma luta também para que tenha mais liberdade do trabalho artístico, uma afirmação da cultura popular”, falou, destacando também que os atos culturais em memória da filha são muito importantes.

Para o jornalista, o julgamento vai trazer mais paz para a família e os amigos.

“O julgamento e a justiça vão representar um marco. A política de segurança pública precisa ser revista, tem que mudar. Não é só uma luta por justiça para nós. Só espero que o julgamento seja definido logo. Todo mundo tem pressa de que isso se resolva. A gente conta com o Tribunal de Justiça para que haja uma decisão o mais breve possível, para dar um alívio para todo mundo. E que seja feita justiça acima de tudo”, ressaltou.

Ele rememorou que a filha era muito presente e a data sempre mexe com as emoções, já que o dia do aniversário é próximo do da morte. A irmã também sente muito a falta da atriz.

“A Nara é a única irmã da Luana. Tem hoje 27 anos e Síndrome de Down. Sempre foi muito ligada à irmã e nas férias passava alguns dias com ela em Presidente Prudente. Ela sente demais a falta da Lua, às vezes em crises emocionais, especialmente nestes períodos em que se aproxima o 27 de junho”, contou o pai.

“A Luana era uma filha bastante presente, companheira e nos ajudava muito de várias formas. A gente sente essa ausência de uma forma diária. Quando chega esse período, é evidente que o lado emocional pega um pouco mais. As emoções ficam mais latentes. É muita saudade mesmo”, finalizou Barbosa.

Marcos Barbosa e a filha Luana Barbosa — Foto: Regis Garcete 3 de 3
Marcos Barbosa e a filha Luana Barbosa — Foto: Regis Garcete

Marcos Barbosa e a filha Luana Barbosa — Foto: Regis Garcete

Julgamento

A advogada Renata Cardoso Camacho Dias, que defende o policial militar Marcelo Coelho, informou ao G1 que segue “aguardando julgamento”.

O G1 questionou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) sobre o andamento do caso. A Diretoria de Comunicação do TJ-SP afirmou que o “processo tramita em segredo de Justiça”. “No momento todos os fóruns estão fechados devido à pandemia. Somente quando retornarmos ao trabalho presencial a agenda de julgamentos será retomada, gradativamente”, complementou.

A reportagem também solicitou um posicionamento da Polícia Militar sobre o caso e a atuação de Marcelo Coelho na corporação. Contudo, até o momento, não houve resposta.

Atividades virtuais

Para lembrar os seis anos da morte de Luana Barbosa e também o aniversário em que ela completaria 31 anos de idade, o Coletivo Cultural Galpão da Lua, que foi criado em homenagem à artista, preparou uma programação com atividades artísticas e formativas em ambientes virtuais.

As ações serão transmitidas pela rede social do Galpão da Lua por causa da pandemia do novo coronavírus. A morte da atriz é lembrada em atos desde 2014.

“Desde então, damos nossas vozes à Lua, através de atos artísticos e debates sobre a política de segurança pública no país e a sua desmilitarização”, pontuou o coletivo.

Confira abaixo a programação:

  • Quinta-feira (25), às 19h: Debate “Desmilitarização, Direitos Humanos e Comunicação Social”.

Convidados: Alessandro Soares – doutor e mestre em Direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP), professor de direito constitucional na Faculdade Escola Paulista de Direito e autor do livro “Do estado de exceção ao imperialismo: estratégias teóricas de Carl Schmitt na República de Weimar”; Ana Claudia Mielke – jornalista, mestre em ciências da comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da USP (ECA/USP), professora, ativista dos direitos humanos e do direito à comunicação, associada do Intervozes e secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

Mediação: Aline Fernanda Escarelli – advogada, presidente da Associação Prudentina de Prevenção à Aids (Appa) e integrante da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SP), Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica (ABMCJ) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), e Talita Do Alfabeto Galindo – educadora social, promotora legal popular e colaboradora do Galpão da Lua.

  • Sexta-feira (26), às 19h: Ato Artístico “Em Defesa da Vida, Em Memória de Lua Barbosa”.

Nessa data, Lua Barbosa completaria 31 anos. O evento vai celebrar e reunir artistas de várias partes do Brasil e integrantes da Rede Brasileira de Teatro de Rua (RBTR), a cultura de paz e a vida.

Apresentação: Igor Cardoso, Fernando Ávila e Mari Palhares (Galpão da Lua).

  • Sábado (27), às 19h: Debate “Violência policial no Brasil pós-redemocratização”.

Convidados: Benedito Domingos Mariano – sociólogo, mestre em ciências sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), ex-ouvidor das Polícias de São Paulo e assessor da deputada estadual Isa Penna (PSOL); André Luís André – doutor em Geografia com a tese “Visíveis pela Violência”, professor da Universidade Federal do Sergipe e pós-graduando em Integração Contemporânea da América Latina na Universidade Federal da Integração Latino-americana (Unila).

Mediação: Fernando Ávila e Luis Valente (Galpão da Lua).

By Midia ABC

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