STJ decide que caso de vendedor morto em abordagem da PM em SP deve ser apurado como homicídio na Justiça comum


Decisão é a de que morte de David Santos, em abril, é caso de possível homicídio doloso e tem de ser apurado na esfera da Justiça Comum. Antes, caso do vendedor era apurado como sequestro e morte na Justiça Militar. PMs respondem soltos e afastados pelo assassinato em Osasco. David Nascimento dos Santos era vendedor ambulante em São Paulo
Arquivo pessoal
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília, decidiu que o caso da morte do vendedor ambulante David Santos, em abril, durante abordagem da Polícia Militar (PM) na Grande São Paulo, tem de ser investigado como ‘homicídio doloso’ na Justiça Comum. E não mais como ‘sequestro seguido de morte’ na Justiça Militar.
Na última quinta-feira (10), o ministro do STJ Ribeiro Dantas julgou o mérito da decisão sobre o ‘conflito de competência’ de qual Justiça deveria ficar com o caso sobre a morte do vendedor e decidiu que ele deve ser somente da Justiça Comum.
Em julho, o seu colega, ministro João Otávio de Noronha, já havia dado a liminar para que o processo contra os policiais militares fosse suspenso provisoriamente no Tribunal de Justiça Militar (TJM). E que seguisse para a Vara do Júri em Osasco, que representa a Justiça Comum. Foi ela que recorreu ao Superior Tribunal de Justiça pedindo para decidir ‘o conflito de competência’ do caso.
Para os dois magistrados do STJ, o crime que pode ter sido cometido contra David é o de ‘homicídio doloso’. Por lei, assassinato é sempre apurado na esfera da Justiça Comum. No entendimento deles não ficou caracterizado que possa ter ocorrido o crime militar de ‘sequestro e morte’ cometido pelos agentes da PM.
Desse modo, os policiais militares envolvidos na morte de David serão investigados pela Polícia Civil, na esfera da Justiça Comum, por suspeita de terem assassinado o vendedor.
Antes, sete agentes da PM chegaram a se tornar réus na Justiça Militar, acusados pelo ‘sequestro e morte’ de David. Mas com a decisão definitiva do STJ sobre a competência do caso, o processo contra os PMs por ‘sequestro e morte’ fica extinto no TJM.
Apesar disso, os policiais militares continuarão respondendo no Tribunal de Justiça Militar à acusação de terem cometido o crime de ‘organização de grupo para prática de violência’ contra David durante a abordagem, além de serem suspeitos de ‘falsidade ideológica’ e ‘fraude processual’ , porque teriam assinado documento com informações inverídicas e alterado a cena do crime. Essas penas somadas podem chegar a 17 anos de prisão.
Desde 1996 a Justiça Militar não julga crimes de assassinato. A partir daquele ano, homicídios praticados por agentes da Polícia Militar contra civis são julgados na Justiça Comum. Tanto o sequestro e morte quanto o homicídio têm a mesma pena em caso de condenação: de 12 a 30 anos de reclusão.
STJ tira da Justiça Militar processo de crime na comunidade do Areião
O vendedor tinha 23 anos quando foi morto em 24 de abril. Em sua defesa, os PMs alegaram que abordaram David na Zona Oeste da capital por suspeita de ele ter roubado um motorista de transporte por aplicativo. Depois, ainda segundo a versão dos agentes, David foi morto durante troca de tiros contra os policiais, mas já em Osasco, cidade da região metropolitana.
Câmeras de segurança mostraram o momento que o rapaz foi pego em São Paulo pelos policiais militares e colocado numa viatura (veja no vídeo abaixo).
O Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP), da Polícia Civil na capital, investiga ao menos dez policiais militares que podem estar envolvidos na ação que resultou na morte de David. Ou seja, além dos sete policiais, mais outros três militares também são suspeitos. Mas somente seis deles teriam tido participação direta no assassinato de David.
Os agentes investigados estão em liberdade, mas foram afastados preventivamente pela corporação dos trabalhos nas ruas. Atualmente eles estão fazendo serviços administrativos.
Defesa dos PMs
David Nascimento dos Santos
Reprodução/TV Globo
O advogado Renato Soares do Nascimento, que defende dois sargentos, dois cabos e três soldados da Polícia Militar (PM) também entende que seus clientes têm de ser julgados por homicídio na Justiça Comum e não responderem por cárcere privado seguido de morte na Justiça Militar.
“O STJ determinou que a ação seja processada na Justiça Comum “, explicou o advogado Renato ao G1.
O trâmite do caso seguirá com as investigação da Polícia Civil, que poderá ou não responsabilizar os PMs pelo assassinato de David e outros crimes. Após isso a conclusão do caso, o Ministério Público (MP) decidirá se acusa ou não os investigados. Posteriormente, se houver denúncia, a Justiça Comum poderá ou não recebê-la. Se receber, os agentes se tornam réus no processo. Em seguida seriam interrogados e somente depois disso é que a Justiça decidiria se os policiais devem ir ou não a júri popular pelos crimes.
O advogado refutou a hipótese de que seus clientes terão mais chances de absolvição indo para a Justiça Comum, onde sete jurados poderão decidir se os réus são culpados ou inocentes. Na Justiça Militar, o julgamento é feito só por um juiz singular.
“Não estamos lidando com ação de absolvição ou não. A ação dos policiais foi legítima e será comprovada na Justiça comum e seria também na Justiça Militar”, falou Renato, alegando que seus clientes são inocentes no caso.
Segundo ele, que trabalha com o também advogado Mauro da Costa Ribas Júnior na defesa dos policiais, os PMs atiraram em David em legítima defesa após troca de tiros com ele, que era suspeito de roubar um motorista de aplicativo.
Sete PMs envolvidos na morte do ambulante chegaram a ser presos preventivamente em maio no presídio militar Romão Gomes, na Zona Norte de São Paulo. Mas em 15 de julho, a Justiça Militar libertou os sete acusados a pedido da defesa deles para que respondessem soltos pelo sequestro e morte de David.
O caso
Moradores de favela no Jaguaré protestam pela morte de rapaz de 23 anos
Segundo a investigação da Polícia Civil, David havia sido abordado pelos PMs na favela do Areião, no Jaguaré, Zona Oeste de São Paulo, como suspeito de participar do roubo a um motorista de aplicativo. Uma câmera de segurança gravou o momento que o vendedor entrou na viatura.
Mas como a própria vítima não reconheceu David como o homem que o roubou, a viatura do Batalhão de Ações Especiais Policiais (Baep) da PM voltou com o vendedor para dentro da comunidade. De acordo com o condutor roubado, o criminoso usava calça e tênis e David estava de bermuda e chinelos.
No entanto, segundo uma testemunha protegida, ao invés de os policiais liberarem David, eles o levaram para outra comunidade, essa em Osasco, na Grande São Paulo. Em seguida, a testemunha escutou tiros.
Foi nesse local, na Favela Fazendinha, em Osasco, que o corpo do vendedor foi encontrado com cinco marcas de tiros. Ele usava calça e tênis e com uma arma próxima a ele. A família de David não reconheceu as roupas que estavam com ele, o que também levantou suspeitas contra os PMs.
Moradores da região onde a vítima residia chegaram a fazer protesto à época pedindo Justiça. David, que já teve passagem criminais anteriores, trabalhava como vendedor de doces em trens. Ele tinha dois filhos.
Os policiais militares alegaram na delegacia que o rapaz tinha se envolvido num tiroteio, mas essa versão foi desmentida pela investigação da Corregedoria da Polícia Militar, que apura o caso administrativamente. Esse Inquérito Policial Militar (IPM) vai analisar se a conduta dos policiais foi correta ou não durante a ação.
Em junho, a própria Corregedoria havia concluído e indiciado os sete PMs por ‘homicídio doloso’, o que já levaria o caso para a Justiça Comum, mas o Ministério Público Militar (MPM) classificou o crime como ‘sequestro e morte’ para continuar o caso na Justiça Militar. Essa ação gerou todo o ‘conflito de competência’ de qual Justiça deveria apurar a morte do vendedor. Posteriormente o STJ decidiu que o crime tem de ser apurado mesmo pela Justiça Comum.

By Midia ABC

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