Para Tribunal de Justiça, policiais militares têm de ser julgados pelo assassinato de Frank Sions em frente à tropa de elite da corporação há dez anos. É a segunda vez que TJ decide contra sentenças da magistrada afastada Débora Faitarone que absolveram PMs de crimes de homicídios contra suspeitos. Batalhão da Rota da PM em São Paulo
Reprodução/Google Maps
O Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo reformulou na terça-feira (29) a decisão de uma juíza que absolveu dois policiais militares das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) da acusação de matar um ex-presidiário em frente à sede da tropa em 2010, e determinou que eles sejam levados a julgamento pelo crime de assassinato. .
Essa é a segunda decisão do TJ contra uma sentença da juíza Débora Faitarone, que está afastada cautelarmente pelo próprio Tribunal para que seja apurada a suspeita de supostas irregularidades durante o seu trabalho como magistrada. Ela ficou conhecida na imprensa por absolver policiais militares acusados de assassinatos (leia mais abaixo).
No acórdão dessa última apelação, feita pelo Ministério Público (MP) e pelas advogadas da vítima, o TJ ordenou que a Justiça de primeira instância julgue o sargento Jorge Inocêncio Brunetto e o soldado Sidney João do Nascimento pelo homicídio de Frank Ligieri Sons. Para o MP e a defesa da vítima, Frank foi executado.
Com essa decisão do TJ, o sargento e o soldado da Rota se tornam réus no processo pelo crime de homicídio doloso, que é aquele no qual há a intenção de matar. Eles respondem em liberdade. A data do júri popular ainda não foi marcada. Não cabe recurso à defesa.
O caso de 2010
Frank Ligieri Sons foi morto por policiais perto da Rota da PM
Divulgação/Arquivo pessoal
Frank tinha 33 anos em 1º de agosto de 2010, quando foi morto com dois tiros, naquela madrugada, pelo sargento e pelo soldado da Rota, tropa de elite da Polícia Militar (PM), no Centro da capital paulista.
Os policiais alegaram à época que atiraram para se defender já que Frank, segundo eles, estava armado e atirou diversas vezes contra o prédio da Rota. Além disso, de acordo com os agentes, se preparava para arremessar um coquetel molotov para incendiar o local. Uma pistola .40 e o artefato explosivo foram apreendidos.
Mas segundo o sargento e o soldado, quando eles deram voz de prisão a Frank, ele disparou contra os dois, que revidaram. Àquela época havia a suspeita de que o ex-detento estivesse agindo sob comando do Primeiro Comando da Capital (PCC), facção criminosa que age dentro e fora dos presídios do país, mas essa informação não foi comprovada.
Segundo a assistência da acusação, Frank foi morto com três perfurações nas costas. O exame da perícia não encontrou pólvora nas mãos do suspeito, o que reforça a tese de que ele não estava armado. E que a arma e o molotov encontrados foram “plantados” pelos policiais.
Frank era usuário de drogas e saiu da prisão em fevereiro de 2010. Ele também era irmão de um sargento da PM que tinha deixado a corporação em março daquele mesmo ano.
A morte de Frank ainda ocorreu 17 horas após o então comandante da Rota, tenente-coronel Paulo Adriano Lopes Lucinda Telhada, atual deputado estadual pelo Progressistas, ter sido alvo de um ataque a tiros na sua residência. O que deixou todos os policias em alerta no quartel.
Absolvição e apelação
Débora Faitarone durante trabalho como juíza em SP
Divulgação/Arquivo pessoal
Em 2019, a juíza Débora Faitarone, que estava na 1ª Vara do Júri, absolveu sumariamente o sargento e soldado da acusação feita pelo Ministério Público de que os agentes da PM assassinaram Frank a tiros.
Para o MP havia indícios de que o ex-presidiário tinha sido executado. Mas a magistrada não entendeu assim e, por ofício, inocentou Jorge e Sidney da acusação de homicídio.
“Um criminoso vai à porta da Rota, armado com uma pistola […], drogado e embriagado e na posse de um ‘coquetel molotov’, em plena madrugada, atira contra o batalhão, atira contra os policiais, que revidaram e o mataram […]”, escreveu Débora à época na sentença que absolveu os PMs.
Para a juíza, os policiais da Rota agiram em legítima defesa ao atirarem duas vezes em Frank, que, segundo ela, havia disparado quatro vezes na direção deles, não os atingindo.
Mas o MP e as advogadas Roselle Soglio e Ana Paula Bar Frantz, que defendem os interesses da família de Frank e atua como assistente de acusação no caso, recorreram da decisão.
Na apelação ao Tribunal de Justiça, Promotoria e advogadas pediram para a segunda instância do poder judiciário reverter a decisão da juíza Débora.
Em decisão colegiada e unânime, os desembargadores Camargo Aranha Filho, Guilherme de Souza Nucci e Osni Pereira entenderam que há “indícios suficientes do envolvimento dos réus no delito apurado nestes autos”.
“Desta forma, havendo prova da materialidade e indícios suficientes de autoria, é mesmo caso de pronúncia, a sujeitar os acusados Jorge Inocêncio Brunetto e Sidney João do Nascimento à decisão do Tribunal do Júri, juiz constitucional dos crimes dolosos contra a vida, ao qual incumbirá detida análise das provas quanto à autoria delitiva”, escreve o relator Osni.
O que dizem os citados
Segundo juíza, Frank Ligieri Sons atirou nos PMs que revidaram
Divulgação/Arquivo pessoal
Procurado pelo G1 para comentar o assunto, o advogado Celso Vendramini, que defende os dois PMs da Rota, informou que não poderá recorrer da decisão, mas não teme o julgamento dos réus.
“Tudo é contra o policial militar, mas não temo o julgamento”, disse o advogado Celso nesta quarta-feira (30). “O Ministério Público passará mais uma vergonha porque os réus serão absolvidos. Porque o povo está ao lado da verdade”.
Questionada pela reportagem, a advogada Roselle, que defende os interesses da família de Frank, afirmou que a lei foi cumprida e está se fazendo justiça.
“Ainda que tardia, afinal se passaram dez anos do fato. Agora a decisão será pelo povo, quando for feito o julgamento no Tribunal do Júri”, falou Roselle.
Segundo a assistência da acusação, Frank foi morto com três perfurações nas costas. Além disso, ela informa que o exame da perícia não encontrou pólvora nas mãos do suspeito, o que reforça a tese de que ele não estava armado. E que a arma e o molotov encontrados foram “plantados” pelos policiais.
Juíza afastada pelo TJ
No detalhe: foto de Ítalo Siqueira antes de ter sido morto com tiro na cabeça disparado pela PM (na foto maior) após ter furtado um carro; policiais alegam que ele atirou
Reprodução/Arquivo pessoal e redes sociais
A reformulação da sentença do caso Frank é a segunda mudança feita pelo Tribunal de Justiça em decisões anteriores da juíza Débora Faitarone que absolveram PMs acusados de assassinatos em São Paulo.
A primeira foi em julho deste ano, quando o TJ reformulou a decisão da magistrada de 2018, quando ela havia rejeitado a denúncia do Ministério Público contra cinco policiais militares que respondiam pelo assassinato de Ítalo Ferreira de Jesus de Siqueira, de 10 anos, em 2016.
A criança foi morta com um tiro na cabeça durante perseguição policial após ter furtado um carro com um amigo, de 11 anos, no Morumbi, bairro nobre da Zona Sul da capital.
Naquela ocasião, a magistrada entendeu que os agentes da Polícia Militar agiram em “legítima defesa”. Ela escreveu que Ítalo atirou duas vezes contra os policiais e se preparava para efetuar o terceiro disparo, quando os PMs dispararam ao ver um “clarão” dentro do veículo roubado.
Mas o Ministério Público recorreu da decisão de Débora ao TJ, que reformulou a sentença e determinou que uma nova juíza aceite a denúncia contra os policiais, que se tornaram réus no processo que apura a morte de Ítalo.
Como Débora foi afastada preventivamente pelo TJ desde maio deste ano para que sejam apuradas seis supostas falhas que teria cometido como juíza, ela não poderá mais atuar nos casos do ex-presidiário Frank e nem do menino Ítalo.
Juíza Débora Faitarone
Reprodução/Arquivo pessoal
Em entrevista ao G1, em setembro, a magistrada falou que o verdadeiro motivo do seu afastamento foi ter inocentado os policiais na capital, que, no seu entender, agiram em legítima defesa contra criminosos.
“Atribuo o meu afastamento ao inconformismo que algumas decisões minhas, envolvendo policiais militares, causaram”, falou Débora. “Estou sendo injustiçada”.
Nos cinco anos que ficou à frente da 1ª Vara do Júri, a magistrada absolveu sumariamente nove policiais militares acusados pelo Ministério Público MP de executar a tiros quatro suspeitos de crimes em três casos. Débora ainda rejeitou a denúncia do MP contra outros cinco PMs acusados de assassinar o menino Ítalo.
Levantamento do G1 encontrou ao menos outras duas denúncias do Ministério Público, contra agentes das forças de segurança acusados de homicídios, que foram aceitas por Débora. Nesses casos, eles se tornaram réus quando ela foi juíza da 1ª Vara.
“A doutora Débora, que havia absolvido os PMs, na minha opinião, é uma das mais corretas, imparciais e honestas que conheci em 30 anos de advocacia. Ela foi retirada do 1º tribunal do júri por absolver policiais militares. Ela foi perseguida”, elogiou o advogado Celso Vendramini, também conhecido por defender PMs.
TJ reformula decisão de juíza que absolveu PMs e leva a júri soldado e sargento da Rota acusados de matar ex-detento em 2010 em SP
