Pesquisadora usou da atração natural que os portadores da síndrome tem pela tecnologia para facilitar a participação e o interesse delas pelas atividades. Estudo foi aplicado a alunos da Apae de São Carlos (SP). Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP de São Carlos, onde a pesquisa foi desenvlvida
Nilton Junior/ArtyPhotos
Com o objetivo de aumentar o engajamento e o aprendizado de crianças com transtorno do espectro autista, uma pesquisadora do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos (SP), desenvolveu quatro protótipos de atividades digitais que associam conceitos de computação e de psicologia.
A abordagem criada por Laíza Ribeiro Silva durante sua tese de mestrado foi aplicada na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) da cidade, com quatro crianças com idades entre 7 a 12 anos, que têm diagnóstico de autismo moderado.
O software desenvolvido está em processo de registro. Os protótipos não serão comercializados. Os códigos de operacionalização da abordagem devem ficar disponíveis para acesso gratuito no repositório da USP.
Pesquisas e fundamentos
Apae em São Carlos
Reprodução/EPTV
De acordo com Laíza, o projeto considera diversas pesquisas na área de psicologia que abordam as dificuldades de crianças que estão no espectro autista relacionadas à comunicação, interação social e à ocorrência de padrões restritos e repetitivos durante a aprendizagem. Por isso, um dos grandes obstáculos na educação das crianças com autismo é engajá-las nas atividades de aprendizado.
Por outro lado, essas crianças costumam sentir uma atração natural pela tecnologia. Segundo Laíza, diversas pesquisas já realizadas mostram que computadores, smartphones e tablets facilitam a participação ativa dessas crianças porque, além de despertarem seus interesses, favorecem um processo de aprendizagem mais autônomo.
Durante os estudos para o mestrado, a pesquisadora identificou que há uma carência de abordagens e ferramentas adequadas para aprimorar as habilidades das crianças com autismo. Dessa forma, mergulhou na criação de uma abordagem que poderia contribuir com a alfabetização dessas crianças: o conceito da gamificação, que pode ser compreendido como uma maneira de aprimorar a realização de uma tarefa utilizando elementos de jogos.
“Aplicações gamificadas podem possibilitar que o aprender esteja ligado ao brincar, tornando as atividades envolventes, principalmente para as crianças”, explicou a pesquisadora.
Na psicologia, Laíza descobriu inúmeros estudos apontando resultados bem-sucedidos no aprendizado de crianças com autismo a partir da abordagem da Análise do Comportamento Aplicada (ABA). Entre as diversas estratégias dessa abordagem, destaca-se o Ensino por Tentativas Discretas (DTT), que busca levar à aprendizagem por meio da repetição e do reforço.
“No entanto, essas intervenções são dispendiosas e o tempo gasto é extenso até a consolidação dos resultados, o que compromete sua adesão e sucesso. Por isso há a relevância de tornar essa estratégia de ensino automática, por meio da criação de ferramentas educacionais” disse.
Desenvolvimento e prática
Exemplo de atividade proposta em protótipo criado por pesquisadora da USP São Carlos
Reprodução/Youtube
Para planejar, desenvolver e testar a abordagem que criou, Laíza contou com o apoio de duas psicólogas que atuam na Apae de São Carlos e de profissionais do Centro de Desenvolvimento Progresso Infantil (PIN), instituição localizada em Lisboa, Portugal.
No fim do ano passado, a mestranda apresentou o resultado de seu trabalho na Apae para duas meninas e dois meninos, de 7 a 12 anos, com diagnóstico de transtorno do espectro autista moderado.
De acordo com Laíza, foram desenvolvidos quatro protótipos em que as crianças puderam experimentar durante várias sessões usando um tablet. Nos primeiros encontros, elas usaram protótipos de treino, desenvolvidos para que conhecessem como funcionava a dinâmica da atividade e, portanto, não tinham como objetivo ensinar conteúdos relacionados à alfabetização.
Depois do treino, as crianças passavam a usar os protótipos que, de fato, tinham como meta ensinar conteúdos de alfabetização. Laíza disponibilizou um vídeo para mostrar, em detalhes, como esse protótipo funciona: quando a primeira tarefa começa, a criança vê uma imagem surgir na tela do computador e escuta uma instrução em áudio nomeando aquela imagem.
Foram oferecidas três opções de escolha apresentadas por meio de áudio. Se a criança acerta, recebe um elogio. Se erra, volta o áudio explicando qual era a resposta correta.
Testes e variações
Criança pode escolher avatar para representá-la durante atividades
Reprodução/Youtube
Para testar se havia diferença no engajamento e na aprendizagem das crianças quando a gamificação entrava em cena, Laíza criou protótipos sem usar elementos de jogos e protótipos que possuíam desafios como nível e missão, em que as crianças podiam escolher um personagem para se identificar (um avatar).
Assim, durante as sessões de treino de aprendizagem, as crianças experimentavam dois protótipos similares, em que a diferença entre um e outro se restringia à presença ou ausência dos elementos de jogos.
Após várias sessões de treino e análise dos resultados alcançados, Laíza encontrou indícios de melhoria no engajamento e na aprendizagem quando as crianças usavam o protótipo com elementos de jogos.
“Os elementos de jogos, quando combinados com a estratégia do Ensino por Tentativas Discretas (DTT), podem contribuir para que crianças autistas se envolvam nas atividades educacionais propostas ou se concentrem mais para realizá-las, produzindo, por consequência, benefícios de aprendizagem.”
A pesquisadora acrescenta ainda que é preciso fazer mais estudos aplicados com mais crianças, por um maior número de meses e em mais instituições, para demonstrar todo o potencial que há nessa união entre a gamificação e o ensino por tentativas discretas.
Segundo o orientador do projeto, Seiji Isotani, pesquisas empíricas multidisciplinares como a de Laíza, que atacam problemas relevantes e agudos da sociedade, são fundamentais para o avanço e a disseminação da ciência.
“No momento sensível em que vivemos, é essencial mostrar que as pesquisas científicas podem impactar positivamente a vida das pessoas. E, no caso do trabalho da Laíza, foi possível unir técnicas da computação e da psicologia educacional para criar produtos tecnológicos que têm o potencial de beneficiar a alfabetização de crianças com autismo no longo prazo”, disse o orientador.
Atividades são disponibilizadas em tablet e usam conceito de retorno positivo
Reprodução/Youtube
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Projeto da USP usa gamificação para melhorar aprendizagem de crianças com espectro autista
