Dados da Secretaria da Segurança mostram aumento de 113% na apreensão da droga entre março a julho deste ano, em comparação com mesmo período de 2019. Apesar da queda de 16% na prisão de suspeitos de tráfico no estado, Cracolândia teve alta de 40% no número de prisões. Polícia Militar e Polícia Civil fizeram apreensão recorde de maconha durante a pandemia no estado de São Paulo
Divulgação/SSP-SP
O estado de São Paulo bateu recorde de apreensões de maconha pela polícia durante a pandemia do coronavírus, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública (SSP). Os números da pasta mostram que a Polícia Militar (PM) e Polícia Civil apreenderam juntas 117,2 toneladas da droga, entre março a julho deste ano.
O número significa alta de 113% em relação ao mesmo período do ano passado, quando tinham sido apreendidas 55,1 toneladas de cannabis sativa, nome científico da maconha.
Já o número de apreensões de cocaína no estado caíram 36%, passando de 16,9 para 10,8 toneladas, entre 2019 e 2020. As prisões de suspeitos por tráfico de drogas também tiveram queda de 16% no mesmo período no estado, segundo a SSP (veja mais abaixo).
Apesar disso, houve aumento de 40% no número de presos apontados por policiais como traficantes na Cracolândia, região da Nova Luz, bairro do Centro da capital paulista, conhecida pela venda e consumo de drogas de forma indiscriminada e no meio da rua.
Especialistas ouvidos pela reportagem elogiaram o maior número de apreensões no estado, mas criticam a atuação policial nessa área central de São Paulo, informando que há relatos de violência durante abordagens a usuários, inclusive com vídeo gravado por moradores mostrando as agressões (veja mais abaixo).
No país, as apreensões de maconha exclusivamente nas rodovias federais cresceram 172% no país durante a pandemia, de acordo com a GloboNews.
Segundo policiais, uma das explicações para esse aumento é de que o fechamento temporário de aeroportos e portos durante a quarentena, que começou em 24 de março, represou a droga no estado, fazendo com que o produto ilícito circulasse mais dentro das cidades e nas estradas.
Por outro lado, a Polícia Militar e a Polícia Civil passaram a fazer mais fiscalizações e investigações para apreender drogas e prender traficantes.
“Os fatores que identificamos é que o aumento das apreensões, principalmente maconha, se deu com a dificuldade em mandar essa droga para outros mercados, como o europeu e o americano, em decorrência da pandemia”, diz o delegado Helton Luis Jablonski Padilha, do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil. “Com o fechamento de aeroportos e portos, essa droga entrou mais no Brasil, vindo pela fronteira com o Paraguai”.
Apreensão de maconha aumentou durante a pandemia no estado de São Paulo
G1 Arte
Rota da droga
Segundo a polícia, do Paraguai, a maconha costuma entrar no país pelo Mato Grosso do Sul. Lá, quadrilhas de traficantes cooptam motoristas de caminhões, oferecendo até R$ 10 mil para que eles transportarem a droga escondida junto a outras cargas.
“A pandemia aumentou a oferta para o mercado nacional da droga no estado de São Paulo. Setores de inteligência identificaram maconha até dentro de carga de arroz”, afirma Helton Luis Padilha.
De acordo com o delegado, durante a pandemia o Denarc apreendeu sozinho 6 toneladas de drogas. Em contrapartida, as apreensões de outras drogas ilegais tiveram queda entre março a julho deste ano em todo o estado de São Paulo, em comparação com o mesmo período de 2019.
Cocaína
22 mil papelotes de cocaína são apreendidos pela Polícia Rodoviária Estadual em 9 de setembro em Atibaia, no interior de São Paulo
Reprodução/SSP-SP
É o caso, por exemplo da cocaína. Em 2019 foram apreendidas 16,9 toneladas. Já em 2020, apreenderam 10,8 toneladas. A explicação de policiais para a queda está também ligada diretamente às consequências da pandemia no comportamento dos traficantes e usuários.
Por ser uma droga mais cara que a maconha, um quilo de cocaína chega a custar R$ 15 mil, ela deixou de ser trazida em larga escala para São Paulo porque é uma droga que costumava ser comercializada em locais de grande concentração de pessoas, como casas noturnas, que estão fechadas atualmente, segundo a polícia.
Além disso, a cocaína é uma droga que também encontrou dificuldade para sair do Brasil por causa das restrições de isolamento social e medidas de segurança impostas pelas autoridades em razão da Covid-19, de acordo com as autoridades.
Crack
Ação policial na Cracolândia
Divulgação/ONG Craco Resiste
Na esteira está o crack, que também acaba sendo atingido pela queda da circulação de cocaína já que é um subproduto dela.
As apreensões dessa droga se mantiveram estáveis entre os cinco últimos meses desse ano, na comparação com mesmo período do ano passado. Foi aproximadamente 1 tonelada de crack apreendido no estado.
Essa droga é mais barata em relação às demais e o público consumidor costuma ser de pessoas mais vulneráveis, algumas em situação de rua, de acordo com policiais. Um quilo dela é vendido por R$ 7 mil, em média, mas quem a usa costuma comprar uma ‘pedra’ de crack.
Na Cracolândia, região central da capital onde há consumo e venda de drogas, uma ‘pedra’ de crack costuma ser vendida por R$ 10.
“”Cocaína e crack não tiveram aumento de entrada em São Paulo porque a produção dessas drogas diminuiu em virtude da queda do mercado de fora”, diz o delegado do Denarc. “Boa parte da cocaína apreendida para o mercado iria ao porto de Santos para sair do pais. Nosso mercado não comporta tanta cocaína”.
Outras drogas
Polícia apreende 200 comprimidos de ecstasy em um carro importado, no Distrito Industrial em Rio Preto, no interior de São Paulo, em janeiro deste ano
Divulgação / Polícia Civil
As demais drogas como o ecstasy e outras psicotrópicas também tiveram queda de 64% na apreensão durante a pandemia, comparando com mesmo período de 2019. Entre março a julho do ano passado, foram apreendidas 5,3 toneladas. Já no mesmo período deste ano foi 1,9 tonelada.
Por serem consideradas drogas chamadas ‘recreativas’, elas costumam ser comercializadas em espaços onde pessoas interagem, como raves, festas etc, segundo a polícia. Por isso, as regras de distanciamento social, com a proibição de eventos públicos no estado, foram determinantes para a redução da circulação delas, de acordo com investigadores.
Apesar disso, o balanço das forças de segurança do estado é positivo quanto às apreensões de todos os tipos de drogas durante a pandemia. Houve aumento de 67% em comparação com mesmo período do ano passado. Foram 78,5 toneladas apreendidas em 2019. E em 2020 a marca alcançou 131,1 toneladas. Muitas das apreensões ocorreram em rodovias.
“Nesse período excepcional da pandemia, tivemos redução do trânsito. Deixou de circular 40 a 45% da frota nas estradas estaduais e isso impactou no número de acidentes. Foram 40% a menos no período”, fala o capitão Fernando de Souza, porta-voz da Polícia Rodoviária Estadual, que é subordinada a Polícia Militar (PM). “Então, teve ganho na fiscalização. O policial que atendia acidentes, delegacia, hospitais e vítimas, teve tempo mais livre para abordar veículos”.
Prisões por tráfico
Prisões de suspeitos por tráfico de drogas tiveram queda no estado de São Paulo durante a pandemia; tendo aumento, no entanto, na Cracolândia
Arte G1
Os dados da pasta da Segurança também mostram queda de 16% no número de prisões de suspeitos por tráfico de drogas durante a pandemia no estado de São Paulo. Para efeitos comparativos, entre março a julho de 2020 foram presas 20.172 pessoas por esse crime; no mesmo período de 2019 tinham sido 24.142.
Para policiais ouvidos pela reportagem, o recuo no número de prisões de traficantes e o aumento no número de apreensões de drogas podem estar associados ao fato de que as polícias Civil e Militar fizeram mais operações para prender grandes carregamentos de entorpecentes transportados em caminhões nas estradas, por exemplo. Nesse caso, quem acaba preso são motoristas que levam as drogas e não quadrilhas de traficantes.
Segundo o delegado Helton Luis Padilha, só o Denarc prendeu 40 pessoas suspeitas por tráfico neste ano. A pena para esse crime está fixada no Código Penal entre 5 a 15 anos de prisão.
“A diminuição da movimentação nas ruas com as medidas de distanciamento determinadas pela quarentena, diminuiu a quantidade de prisões daqueles pequenos traficantes, cujo número de prisões é o que acaba inflando o número total de pessoas presas”, afirma o delegado do Denarc. “Ressalto que o foco de atuação do Denarc é principalmente o grande traficante.”
Cracolândia
Buraco em muro da Cracolândia
Arquivo pessoal
Ainda de acordo com o levantamento da Secretaria da Segurança Pública, houve aumento de 40% no número de prisões e crescimento de 20% no de apreensões de drogas na Nova Luz, região do Centro de São Paulo onde fica a Cracolândia.
Ocorreram 160 prisões por tráfico de março a julho de 2019 na Cracolândia. Em 2020, durante a pandemia, foram efetuadas 224 prisões. Em apreensões de drogas também houve aumento: de 33,5 kg no ano passado para 40,3 kg neste ano.
Especialistas em assuntos ligados a políticas de atendimento aos usuários de drogas ouvidos pela reportagem criticam algumas ações do governo estadual, principalmente as operações de segurança na Cracolândia.
Para a psicóloga Maria Angélica Comis, mestre em Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas, a pandemia também coincidiu com o aumento da violência policial durante ações na Cracolândia.
“Aumentou muito a violência durante a pandemia. No começo da pandemia, a violência policial aumentou porque as pessoas ficaram sem acessar mais coisas. Com o comércio fechado, ficou mais difícil de conseguir água. Com fechamentos de equipamentos públicos, ficaram sem ter onde alimentar”, diz Maria Angélica, que também é membro do Conselho Municipal de Políticas Públicas de Drogas.
“A maior ação do poder público é a presença da segurança pública. A segurança não está ali para garantir segurança dos usuários. Eles [policiais] tratam muito mal os usuários, que revidam jogando pedra. E aí a polícia joga bomba e bala de borracha”, critica a psicóloga.
Alguns desses conflitos entre agentes de segurança e usuários de drogas foram registrados em imagens. É o caso do confronto do último sábado (12), quando policiais militares avançaram sobre algumas pessoas, as agredindo. Vídeos que circulam nas redes sociais mostraram as agressões (veja abaixo).
Dois homens são agredidos pela Polícia Militar na Cracolândia
“A Cracolândia acaba sendo um espaço da cidade em que todos os direitos constitucionais previstos são violados, desde a Guarda Civil Metropolitana [GCM] agindo como polícia, até aumento de apreensões, como tráfico de drogas ou de pessoas que são usuárias”, analisa Maria Angélica. “Além disso, a média… se a gente for dividir o número de pessoas e quantidade de apreensão é uma quantidade absolutamente irrisória de substância”.
A reportagem procurou a assessoria de imprensa da Prefeitura para comentar a crítica da especialista a GCM e aguarda o posicionamento da administração pública sobre o assunto.
Na opinião da socióloga Nathalia Oliveira, coordenadora da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, apesar de o governo de São Paulo apresentar números de apreensões de drogas e de prisões de suspeitos por tráfico durante a pandemia, ele não informa as circunstâncias em que os entorpecentes foram apreendidos e que pessoas foram detidas.
“Nos dados apresentados pela Secretaria da Segurança Pública, nas apreensões que aconteceram na região da Cracolândia, a média de drogas por pessoas presas dá 178 gramas por pessoa. Então eu pergunto: vale a pena todo esse investimento público do orçamento e o sofrimento causado na vida das pessoas pelo aprisionamento dizendo que a gente está combatendo na guerra às drogas?”, questiona Nathalia.
Para ela, o governo deveria ver outras alternativas para investir o dinheiro público em assuntos relacionados a drogas. “Será que a gente não pode investir o orçamento público de uma maneira mais inteligente para envolver cuidados e promover justiça social e as políticas públicas que estão previstas na nossa Constituição?”, sugere a professora.
Segundo policiais ouvidos pela reportagem, não é a quantidade de drogas apreendidas com suspeitos que define se eles são ou não traficantes, mas as circunstâncias em que foram detidos.
Quando usuários são pegos com drogas, eles são levados para um distrito policial onde são autuados por porte ilegal de drogas e liberados porque foram considerados suspeitos de consumir entorpecentes. Eles podem continuar presos quando há a suspeita de que comercializavam os entorpecentes.
O que diz a SSP
Droga foi encontrada em bagagem de passageira de ônibus, em Porangaba (SP)
SSP/Divulgação
Procurada para comentar as críticas feitas pelas especialistas, a Secretaria da Segurança Pública respondeu que “a autoridade policial e as respectivas corregedorias estão à disposição para registrar e apurar toda e qualquer denúncia.”
Ainda de acordo com a secretaria, “ao longo dos últimos 20 meses, as forças de segurança estaduais apreenderam mais de 340 quilos de entorpecentes e 29,9 litros de drogas líquidas na região da Nova Luz. No mesmo período, foram apreendidas 14 armas de fogo, 68 facas, 491 munições de diversos calibres, 306 balanças de precisão e R$ 679 mil.”
Segundo a pasta da Segurança Pública, “desde início da atual gestão, 86.125 criminosos ligados ao tráfico de drogas foram presos no estado, sendo 31.597 somente de janeiro a agosto deste ano. Esse total representa que a cada 12 minutos, em média, um traficante de drogas é retirado das ruas pelas forças de segurança estaduais.”
Apreensões de maconha em rodovias federais crescem 172% no Brasil durante a pandemia
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